Cidades caminháveis? Por que não cidades escaláveis?

“A cidade para as pessoas!" e o grito de guerra do arquiteto reformista - mas que pessoas exatamente? Essa é a questão central do rooftopping, uma nova e emocionante variante da Exploração Urbana que recentemente atraiu a atenção da mídia. Difundindo-se através de redes sociais como o Instagram, esses acrobatas chamam a atenção por suas proezas, mas por que as Explorações Urbanas atingiram as alturas?

A exploração urbana ocupa as margens da consciência pública desde meados dos anos 2000 como uma subcultura punk; anarquistas bisbilhotando túneis de esgoto e realizando explorações em ruínas urbanas. O modo como o rooftopping capturou a imaginação das pessoas, no entanto, assume a forma de um discurso público: como ele se envolve com as mídias sociais, o modo como grupos corporativos tentaram envolver esses acrobatas no mercado, e o modo como esses grupos estão interagindo com o ambiente urbano.

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O etnógrafo Bradley Garret, que escreve para o jornal The Guardian, esteve explorando esses exploradores. Sua primeira explicação, embora conhecendo o papel das políticas e mídias sociais, é que as cidades estão sendo construídas para simplificar a experiência e se tornar o mais amigáveis possível - uma coisa boa para muitos, mas uma maldição para um subgrupo de pessoas que se autodefine "em busca de riscos". Ele apresenta como natural, inevitável, que algumas pessoas rejeitem a experiência da cidade organizada e busquem algum modo de subverter as regras impostas pelo ambiente urbano. Esse impulso não é tão diferente de antigos fenômenos como as flashmobs ou o teatro urbano ImprovEverywhere - apenas uma versão mais arriscada.

Vista da Jin Mao Tower a partir da Shanghai Tower. Imagem © Vitaliy Raskalov, ontheroofscom@gmail.com

Essa explicação do porquê esses grupos e indivíduos estão realizando acrobacias cada vez mais arriscadas esbarra em preocupações mais amplas sobre os efeitos sociais das cidades "avessas ao risco". O impacto do grande volume de dados e das novas formas de comunicação racionalizará muito a experiência das cidades, mas propostas que escolhem quais áreas tornar acessíveis e quais áreas deixar fora do mapa correm o risco de criar uma cidade que não apenas elimina o risco, mas pode definir o que é e o que não é aceitável para seus habitantes. Temores a respeito do impacto das smart cities são muito mais profundos na comunidade arquitetônica; por exemplo, Rem Koolhaas proferiu um sério aviso em Bruxelas de que as várias propostas de smart cities "[nos oferecem] belos ícones de vida urbana, integrados a dispositivos inofensivos, conferindo coerência a simpáticos diagramas nos quais os cidadãos e empresas estão cercados por cada vez mais círculos de serviços que criam bolhas de controle. Por que as smart cities oferecem apenas melhorias? Onde está a possibilidade de transgressão?" Se esses acrobatas são estimulados pelas regras claustrofóbicas da cidade moderna, então parece que os temores de Koolhaas apresentam sintomas.

© Demid Lebedev

Olhando ainda mais para trás, preocupações sobre a cultura flâneur se baseavam em torno do mesmo conflito entre aqueles que buscavam riscos e aqueles que desejavam uma experiência simplificada. O flâneur, um conceito do século XIX que se refere àquele que caminha ou passeia, passou a significar uma forma de observador externo, capaz de compreender a cidade através da alienação da experiência coletiva. A questão era romper as normas culturais - alguns tipos mais extravagantes levavam, por exemplo, uma tartaruga para passear - mas mais importante que serem vistos, eles também viam. Observando a cultura urbana coletiva sem perder a identidade individual, o flâneur era visto por alguns como um modelo de identidade urbana, mas havia muita suspeita em relação a esse figura - Bram Stoker literalmente retratou Drácula como um flâneur, causando medo sobre o modo como eles viviam quase parasitariamente, sem participar do coletivo de habitantes da cidade.

Um retrato negativo do flânerur de 1923, ilustrando o conto "O homem na multidão" de Poe. Imagem © Harry Clarke

Estar tão aparte da identidade coletiva de uma cidade era quase ameaçador para burguesia no final do século XIX; agora parece que os valores burgueses dos século XXI estão igualmente ameaçados pelos exploradores urbanos, com reações cada vez mais duras por parte das autoridades públicas a esses novos flâneurs da tridimensionalidade. Prisões por invasão e atendado à ordem pública se tornaram comuns, e Garret relata que os artistas que trocaram as bandeiras dos EUA na Ponte do Brooklyn por bandeiras brancas foram interrogados pelo FBI. Se isto é apenas uma reação lenta das autoridades a uma nova tendência ou parte de uma restrição mais ampla contra o movimento, é impossível dizer.

'Le Pont de l’Europe' - um retrato um pouco mais ameno,mostrando um flâneur caminhando ao lado de uma mulher que é frequentemente interpretada como sendo um prostituta. O flâneur está olhando para o trabalhador à direita. Imagem © Gustave Caillebotte

Por muito tempo, arquitetos e planejadores buscaram expandir a participação apenas aumentando a quantidade de dados conseguidos a partir das pessoas, e certamente não sem sucesso. Mas o que Garret e os rooftoppers, bem como outros exploradores urbanos no nível do solo, mostram é que é precisamente esse modelo de participação que está levando algumas pessoas a rejeitar outras narrativas e criar suas próprias, com resultados potencialmente perigosos. 

Sobre este autor
Cita: Goodwin, Dario. "Cidades caminháveis? Por que não cidades escaláveis?" [Walkable Cities? Rooftoppers Want Climbable Cities] 04 Mar 2015. ArchDaily Brasil. (Trad. Baratto, Romullo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/763034/cidades-caminhaveis-por-que-nao-cidades-escalaveis> ISSN 0719-8906

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